sábado, 21 de janeiro de 2012

Era noite - Parte1



A garota andava sozinha na selva de pedra que chamam cidade. O porque? Talvez estivesse fugindo de casa, talvez apenas dando um passeio, ou até mesmo levando doces na mochila para sua vovozinha. E enquanto caminhava, a garota pensava no passado, na feliz época da infância, onde sonhos podiam virar realidade, príncipes existiam, bruxas malvadas eram derrotadas e tudo acabava em Felizes para Sempre escrito em Monotype Corsiva.



            
Mas infelizmente esses sonhos ficam apenas na infância. E hoje era seu 18º aniversário. Se essa fosse uma história comum, esse seria um dia ensolarado, com uma grande festa de aniversário, meninas de vestidos floridos, docinhos de vários sabores, sorrisos e presentes. Mas que graça teria uma história onde apenas coisas boas acontecem. Era uma noite sombria, a escuridão era quase que palpável, grandes nuvens escuras invadiam rapidamente o céu e engoliam as estrelas por onde passavam, cobrindo a visão por trás dos edifícios. E então choveu. Era como se as nuvens estivessem desabando inteiras, como se o próprio céu conspirasse para tentar lavar a alma de tantas outras pessoas que também andavam a noite à procura de respostas.

De repente ela encontra um abrigo, um galpão abandonado como qualquer outro que surge não se sabe como em histórias de terror. O exterior do galpão é como aqueles antigos celeiros de fazenda, com o teto triangular e uma janela circular no centro. Nas paredes havia vários buracos onde deveria haver tijolos. A garota passa por entre tábuas soltas que deveriam servir como um muro ao redor do galpão. O lugar que ela encontra é um digno cenário de filme de suspense. Um local enorme, com destroços por todo o lado, grandes andaimes de ferro que levavam ao primeiro andar, e um telhado de zinco, por onde a água entrava livremente por vários buracos.

A garota - tremendo de frio - caminha pela escuridão. Um silêncio sepulcral ronda ao seu redor.  Ela abre a mochila e procura o celular para tentar encontrar dentro daquela escuridão algum lugar confortável para passar a noite. Ela encontra um local seco, tira o conteúdo da mochila procurando algo para aquecê-la durante a noite. De repente, ela ouve ruídos, não de passos, nem de vozes, muito menos arrastar de correntes, pois afinal, essa não é uma história de fantasmas. São grunhidos. E eis que surge o medo, aquela sensação de que algo ruim está para acontecer e que deixa um gosto ácido de aço na boca. E como em qualquer outra história em que há galpões e barulhos misteriosos, também surgem sombras se movimentando ao redor da garota.

Como qualquer protagonista, ao invés de tomar a decisão racional, que é dar as costas e fugir, a garota procura saber de onde vêm esses ruídos. O celular está sem sinal. A chuva bate no metal do telhado ruidosamente; os relâmpagos iluminam a cena como flashes de uma câmera fotográfica. A garota caminha silenciosamente pela escuridão atenta ao menor ruído e percebe que está cada vez mais perto da fonte do seu pavor, os pêlos da sua nuca estão eriçados, ela consegue ouvir claramente o som do seu coração batendo, os grunhidos estão cada vez mais próximos, e o ambiente exala um cheiro de medo e selvageria. E então ela o vê...

le era imenso, suas garras eram extremamente afiadas como bisturis; seu pêlo marrom escuro como a noite estava eriçado. Ele parecia com a própria materialização da morte, mas seus olhos... Apesar de tudo, o mais fantástico naquele animal eram seus olhos. Eles eram amarelos, e tinham um brilho que mostrava muito mais que um olhar bestial, tinha algo de humano, certa fagulha que a hipnotizava. Ela não fazia ideia de que animal era aquele, mas tinha a certeza de que era muito mais que apenas um grande lobo.

Seus olhares se cruzaram, e a energia que os atravessou foi muito maior que qualquer raio daquela noite tempestuosa. Ela não saberia dizer por quanto tempo permaneceram se olhando, se foram segundos, minutos, ou até mesmo horas, mas de repente não sentia mais medo. E se a perguntassem, mesmo não sabendo o porquê, ela diria que sua maior certeza de que nunca estivera tão segura.


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